Lá pelas quatro da tarde ouvimos, eu e minha
esposa, ao longe, uma marchinha de carnaval, daquelas bem “família”. Descemos para
ver a festa e curtir o momento.
A caminho do som entramos numa rua e
percebi uma cena inusitada, uma moça agachada, minissaia levantada, urinando,
junto à sarjeta, apoiada no espelho retrovisor de um carro com um braço e com o
outro em uma amiga, que a acompanhava; próximos às duas, três rapazes
aguardavam a jovem aliviar a bexiga.
Como narrei, ao princípio, o sol estava alto,
dia claro, mas todos os cinco pareciam bem alcoolizados e não se importaram,
até mesmo porque na próxima rua, um rapaz brindava um poste com “cerveja
processada”.
A jovem estava defronte uma residência, e o
carro que lhe serviu de apoio provavelmente pertence ao dono da casa.
Nossa primeira reação foi rir muito da situação,
uma mulher com as nádegas expostas, a urinar na rua...
Logo após os risos passei a pensar no dono
da residência. Então me coloquei na posição dele. O que eu faria se fosse
comigo? Se fosse com o meu carro? Se fosse na frente da minha casa? Fingir que
nada estava acontecendo? Ralhar com a jovem? O que fazer?
Mentalmente comecei a elaborar o percurso
de solução, caso não concordasse em fingir que nada estava acontecendo, ou
seja, se decidisse que não iria consentir com a situação.
Em primeiro lugar eu iria sair para pedir
respeito, aí encontraria a primeira complicação, pedir respeito a uma jovem que
está urinando na roda do meu carro? E os amigos que aguardavam na esquina? Difícil...
Se a indignação me levasse a chamar uma
viatura policial para coibir a prática de ato obsceno em via pública, e, de
fato, esta guarnição policial chegasse ao local a tempo e conduzisse as duas
jovens e eu fosse junto como vítima, se todos estes passos ocorressem, talvez
com grande dificuldade, mas que ocorressem, como seria na Delegacia de Polícia?
Em meio a tantos crimes mais sérios
(roubos, homicídios, latrocínios, acidentes automobilísticos, etc), como seria
esperar o registro do “xixi na frente de casa”?
Meu exercício imaginário de conduzir a ocorrência
me levou à conclusão de que, na prática, fica “menos dolorido” fingir que não
aconteceu nada e esperar a “mijona” levantar, vestir-se, rir com a colega,
chamar os amigos e, finalmente, sair da frente da casa.
Para mim é uma questão de
menor importância, moro num condomínio com portaria, e, na pior das hipóteses, o
que preciso fazer é chamar o segurança para resolver a bagunça.
Para quem sofre o constrangimento recorrente não deve ser tão simples...
Para quem sofre o constrangimento recorrente não deve ser tão simples...
A questão me remeteu a um contexto mais
complexo e preocupante, nosso cotidiano está “povoado” de situações inusitadas
e incômodas que precisamos relevar, ou resolver por conta
própria. Nenhuma das duas possibilidades é desejável, numa sociedade
civilizada...
As pequenas raposas, ao roubar ovos, abrem espaço, nas cercas do galinheiro, para as grandes raposas roubarem galinhas.
O que fazer? Justiça ou vista grossa?
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